segunda-feira, 9 de abril de 2012

O que faz do homem ser Homem?

Ensaio de Antropologia Filosófica

Existem algumas perguntas essenciais a filosofia enquanto disciplina que busca inquirir por meio da razão o conhecimento real e objetivo das coisas, desde como se pode conhecer (epistemologia)? Ou, o que é o belo (estética)? Há perguntas de maior complexidade entre as quais está: O que é o homem? Como entender esse indivíduo que anda sobre seus dois pés? Suas relações com sigo, o outro e o mundo que lhe cerca? Sem dúvida muitas perguntas têm orientado a busca dos filósofos para uma compreensão adequada do homem, e não é por acaso que desde o período clássico se buscava definições que pudessem conter todos os aspectos deste ser chamado homem.
Aristóteles por exemplo lhe atribuiu o adjetivo de animal político[1] dado a sua capacidade única de viver em sociedade, de buscar de forma conjunta e racional a felicidade na polis[2], demonstrando um forte conceito sociológico do homem.
Algumas características foram demarcadas conceitualmente como distintivas para a definição de homem, e demonstraremos algumas delas:

1. Linguagem.

A linguagem é uma das formas de comunicação desenvolvida pelo homem pela qual pode se relacionar com o outro, seu semelhante. Notamos que não somente o homem, mas também os animais possuem formas de comunicação entre si, então, o que faria a linguagem do homem diferente dos animais?
Os animais possuem uma forma de comunicação rudimentar, não complexa e totalmente instintiva, cada espécie se comunica conforme seu grupo e toda a sua “comunicação” com outra grupo se dá via de regra por necessidade instintiva de defesa, podemos dizer que é uma comunicação primária. Essa comunicação não demonstra nenhum grau de complexidade, não evoluí, nem pode ser alterada por nenhuma das partes.
O homem, diferentemente dos animais, demonstra não só os requisitos para comunicar-se, mas como a própria história demonstra, é capaz de alterá-lo, re-significá-lo, ou, desenvolver uma linguagem nova a partir dos dados e condições disponíveis.
Na sua Obra o Discurso do Método René Descartes (1989. p.76) aponta está peculiaridade humana na questão da linguagem em relação ao animal:

É uma coisa bastante notável que não haja homens tão embrutecidos e tão estúpidos, sem excluir mesmo os insanos, que não sejam capazes de arran­jar conjuntamente diversas palavras, e de compô-las num discurso pelo qual fa­çam entender seus pensamentos; e que, ao contrário, não exista outro animal, por mais perfeito e bem concebido que possa ser, que faça o mesmo. E isso não se dá porque lhes faltem órgãos, pois verificamos que as pegas* e os papa­gaios podem proferir palavras assim como nós, e, todavia, não podem falar co­mo nós, isto é, testemunhando que pensam o que dizem. Por outro lado, os ho­mens que, tendo nascido surdos e mudos, são desprovidos dos órgãos que ser­vem aos demais para falar, tanto ou mais que os animais, costumam inventar eles próprios alguns símbolos pelos quais se fazem entender por quem, estando comumente com eles, disponha de tempo para aprender a sua língua. E isso não demonstra apenas que os animais possuem menos razão do que os homens, mas que não a possuem absolutamente

Os animais também podem até repetir sons da comunicação que são particulares aos homens, porém sem jamais compreender seus conteúdos, segundo o filósofo não é apenas o atributo de comunicação que confere grau de distinção, mas a capacidade de transformação de linguagem demonstra a singularidade do homem em relação aos demais seres vivo.
 A linguagem como tal é a forma pela qual o homem traduz as idéias, o instrumento de materialização do pensamento, uma forma imanente de comunicação com a realidade externa, com o mundo físico. A linguagem não se resume, contudo a fala stricto modo, mas a linguagem musical, que é empregada no canto e se utiliza de padrões apropriados para atingir sua finalidade, as notas, tons, harmonias já se caracterizam outra forma de comunicação; no mesmo campo está os músicos e seus respectivos instrumentos, cada qual segue uma linguagem universal (música) e particular (do instrumento em si) de modo que mesmo executando instrumentos diferentes podemos dizer que os músicos conversam entre si, por meio dos campos harmônicos e notas musicas, seus instrumentos “falam” e interagem de modo que o resultado final é uma boa música que agrada aos ouvidos do público.

2. Natureza humana.

A natureza humana bem pode resumir as demais características que identificam o homem enquanto homem. Ela seria o resultado dos diversos componentes relativos ao homem, seria o que ficou conhecido como essência humana.
Em Sartre (1973. p. 11-12), por exemplo, vemos uma oposição ao sentido clássico atribuído ao conceito de natureza humana:

No século XVIII, para o ateísmo dos filósofos, suprime-se a noção de Deus, mas não a idéia de que a essência precede a existência. Tal idéia encontramo-la nós um pouco em todo o lado: encontramo-la em Diderot, em Voltaire e até mesmo num Kant. O homem possui uma natureza huma­na; esta natureza, que é o conceito humano, encontra-se em todos os homens, o que significa que cada homem é um exemplo particular de um conceito uni­versal — o homem;

Aqui Sartre proporciona um ótimo resumo da posição clássica em sua concepção do homem, existe uma essência que lhe torna homem, e por ela que seus demais atributos serão manifestados, o espírito que na filosofia compreende o ser racional e objetivo, a personalidade que são aspectos de natureza psicológica, o seu valor diante dos outros e do mudo que o cerca são conseqüências desta essência que lhe precede.
Por este motivo o próprio Sartre rejeita o conceito de essência, e entende que o homem primeiro existe como ser aberto e livre para posteriormente tornar-se alguém, Sartre (1973. p. 11-12:

O existencialismo ateu, que eu represento, é mais coerente. Declara ele que, se Deus não existe, há pelo menos um ser no qual a existência precede a essên­cia, um ser que existe antes de poder ser definido por qualquer conceito, e que este ser é o homem [...]Mas se verdadeiramente a exis­tência precede a essência, o homem é responsável por aquilo que é. Assim, o primeiro esforço do existencialismo é o de pôr todo homem no domínio do que ele é e de lhe atribuir a total responsabilidade da sua existência. E, quando dize­mos que o homem é responsável por si próprio, não queremos dizer que o ho­mem é responsável pela sua restrita individualidade, mas que é responsável por todos os homens.

Ainda que se possa discordar dos pressupostos e conclusões a qual o filósofo fundamentou sua tese, também não se pode negar que seu intuito era atribuir grande valor de personalidade e dignidade humana, por meio de uma liberdade radical, em que o homem sozinho no mundo é responsável por sua própria invenção, e condenado a ser livre é responsável não apenas por si, mas pelo o outro também.


Bibliografia
Aristóteles. Política. Col. Os Pensadores. Ed Nova Cultural. São Paulo. 2004
DESCARTES, René. Discurso do método. Brasília, Edi­tora universidade de Brasília; São Paulo, Ática, 1989.
Platão. Diálogos. Col. Os Pesadores. Ed. Nova Cultural. São Paulo. 2004
SARTRE, Jean-Paul. O existencialismo é um humanis­mo, Col. Os pensadores. São Paulo, Abril Cultural, 1973.




[1]Cf. Aristóteles. Política. Coleção os Pensadores. Ed Nova Cultural. São Paulo. 2004 Livro I. 2.8 pg. 146.
[2] Após o período de expansão geográfica e financeira, a Grécia desenvolveu um sistema de participação popular nos interesses públicos, na cidade-Estado chamada Polis. Cf Platão. Diálogos. Coleação os Pesadores. Ed. Nova Cultural. São Paulo. 2004. p. 5-7.



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